terça-feira, 20 de março de 2018

Não há fumo, sem fogo


O provérbio popular é, sobejamente, conhecido e não carece de qualquer explicação. E o povo tem razão, quando usa a sua experiencia empírica, no domínio da realidade física.

No entanto, quando transportamos este provérbio para outras realidades, a já não será assim tão linear. Falemos, por exemplo, da constituição de arguido, na realidade jurídica portuguesa.

Todos nós, a dado momento, podemos ou já fomos constituídos arguidos. Não estranhem, caros leitores, porque isso não significa que somos todos uns monstruosos criminosos. Pensemos, por exemplo, o simples facto de nos ser comunicado um auto de notícia por excesso de velocidade, por estacionamento indevido ou por uso de telemóvel, durante a condução. Com este simples facto, somos constituídos arguidos, num processo de contraordenação.

Claro que, quando ouvimos falar na constituição de arguido, regra geral, é no contexto penal. E é aí, malogradamente, que se instala um estigma contra a pessoa que é visada. Tentemos desdramatizar o facto!

A constituição de um sujeito, enquanto arguido, tanto em contexto penal, como contraordenacional, ocorre, em vários momentos. Mas, em especial, é obrigatória quando é levantado um auto de noticia, que o dá como autor de um ilícito e lho é comunicado. É o caso das notificações das coimas que falamos. Mas também é o caso de quando, somos notificados, em interrogatório, da existência de uma queixa, contra nós e dos seus fundamentos.

Acontece sempre? Claro que não! Pode dar-se o caso de ser apresentada uma queixa, contra uma pessoa que, não estava no local, na data e hora dos factos e tal ser conhecido de todos. Ora, tal queixa é manifestamente infundada, e não disparatada, como já li em jornais, recentemente, pelo que o visado não é constituído arguido.

Voltemos aos casos em que há a constituição, enquanto arguido e ao titulo do nosso texto.

É caso de dizer-se que “não há fumo, sem fogo”?

Na voragem dos dias tendemos todos a dizer que sim. Mas se pararmos um bocadinho e pensarmos bem, verificamos que não.

Primeiro, porque, no momento de constituição, enquanto arguido, nem sempre estão solidificados os indícios que nos dão como autores de um ilícito. Carecem os factos de prova, de apreciação, de julgamento se assim quisermos.

Segundo, porque a constituição de arguido, ocorre sem que, quem o faz, tenha de apreciar a nossa defesa. Por exemplo e voltando aos nossos exemplos, imaginemos a notificação do auto de noticia por violação da condução em excesso de velocidade, feita ao dono do automóvel. É automática, constituindo-o como arguido e só, depois, pode o arguido vir dizer que o carro era conduzido por outra pessoa.

Terceiro, pode até acontecer que, a investigação que se segue à constituição de arguido, resultar num arquivamento.

Ou seja, e concluindo, nas relações humanas, nem sempre quando há fumo, tal significa que há fogo.

Carlos Bianchi

Advogado

Sem comentários: