Quando se coloca a discussão entre o «gosto» e o «não
gosto», leva a que cada arguente não consiga ver alguma justiça na posição do
adversário. Assim, quem assume uma posição pró-praxe e não consegue admitir
que, em alguns casos, se exagera na forma como se tratam os caloiros, nunca
passará do argumento «a praxe é integração» Já quem assume a postura
«anti-praxe» não conseguirá nunca admitir que há benefícios na existência da
praxe e nunca deixará de afirmar «a praxe é humilhação».
No plano do gosto pessoal, afirmo, clara e
abertamente, que sou dos que, no seu percurso universitário, sempre aceitou a
praxe, como algo de que gosta. Afinal, porque gostei, fui o «ponto» do meu ano
de caloiro. Porque gostei, fiz parte da Comissão de Praxe 1999/2000. Porque
gostei, fui um Veterano da minha Universidade sempre pronto a exercer a praxe
e, também, a explicar o sentido e regras desta actividade.
Mas, sejamos claros: o gosto pessoal, tendo
influencia na minha posição, não foi, nem é, a razão predominante para ser a
favor da existência da praxe. Dizer de outro modo seria assumir uma acefalia,
que não reconheço à minha pessoa.
Quais as razões, além do gosto, para ser a
favor da praxe?
Primeira
– Uma razão histórica.
A praxe universitária constitui uma tradição
enraizada na vida académica. Dentro dessa tradição os comportamentos de quem
praxa, sempre tiveram um maior ou menor exagero, mas sempre deram também corpo
à irreverencia politica dos universitários. Historicamente, a praxe foi sendo
suprimida, essencialmente, por razões políticas, querendo assim que se calasse
o espirito revolucionário das Academias. Ora, sendo naturalmente irreverente,
ser a favor da praxe é, também, estar ao lado de quem pretende mudar o curso da
história e apoiar o movimento, sempre revolucionário, estudantil.
Segunda
– Uma razão de identificação com a Academia.
A praxe assume, muitas vezes, os contornos de exigência
psicológica e física que fazem lembrar, salvo o devido respeito, a instrução
militar. Isto é, as actividades executadas pelos caloiros, alem dos preparem
para o exercício de actividades «praxisticas» pretendem, essencialmente,
dar-lhes um espirito de corpo, um sentimento de pertença a uma dada instituição
académica. Na prática, um sentimento de integração e identificação com o seu
par, membro da Universidade/Instituto onde irá percorrer o seu caminho,
enquanto estudante universitário.
Terceiro – Uma razão de coerência
A praxe, enquanto actividade vivida pelos caloiros,
no seu primeiro ano de curso tem a natureza de ritual de passagem. E tem
igualmente uma ligação íntima com as demais tradições académicas, que antecede.
De facto, só usa o traje académico, de pleno direito, quem foi caloiro da
universidade. Só faz sentido usar orgulhosamente a sua cartola e bengala, quem
assume querer usar um traje académico, de pleno direito. Finalmente, só quem
vive as tradições académicas, plenamente, pode sentir o orgulho de ver um evento da sua Instituição
Académica repleto de trajes, insígnias e símbolos da mesma.
Aqui chegado, ´devo dizer que há argumentos
utilizados por quem se declara anti-praxe que devem ter uma resposta.
A praxe
é um conjunto de práticas apenas humilhantes e/ou causadoras de danos físicos e
psicológicos para os caloiros
Reconheço que há situações de manifesto exagero na
praxe. Normalmente, tais situações decorrem da violação de um princípio elementares
da boa convivência em sociedade: o bom senso. De facto, quem praxa deve, por um
lado, assegurar que pede ao caloiro que realize actividades que, se lhe fossem
pedidas (aos praxantes) eles as realizassem. Ou seja, sempre que confrontado
com a necessidade de realizar algo, o praxante não o fizesse, por qualquer
razão, deve abster-se de impor ao caloiro que as faça. Se o praxante respeitar
o bom senso, jamais pedirá ao caloiro algo que, em consciência, possa colocar
em perigo a integridade física e/ou psicológica deste.
Quanto á questão da suposta humilhação, aqui há, de
facto, uma dimensão pessoal das práticas praxisticas. Isto é, cabe a cada um
dos caloiros aferir, em cada momento, se o que lhes é pedido o humilha e, sendo
caso disso, recusar fazê-lo. Ao praxante cabe o papel de se colocar na posição do
caloiro, ouvi-lo e respeita-lo.
Dirão, nem sempre é assim. Mas a verdade é que o
papel de quem rege a praxe é, também, supervisionar, avaliar e decidir sobre as
posições de caloiro e praxante, sempre tendo em conta as finalidades da praxe e
sempre tendo em conta a desigualdade das partes. Exige-se e deve exigir-se ao
Conselho de Veteranos que assuma esse seu papel, razão fundamental pela qual
existe.
Dirão, existem muitos casos de polícia que devem ser
tidos em conta. `É verdade. Mas será que o facto de algumas pessoas não serem
criminosas, toda a sociedade também o é?
A praxe é uma actividade onde impera a coacção psicológica
É regra dizer-se que os caloiros só aderem porque tem
medo de ser impedidos de usar traje académico e participar noutras actividades
académicas. Dizendo de outro modo, tem medo de ser ostracizados pela comunidade
estudantil.
Com este argumento não concordo. Primeiro, porque não
conheço qualquer exemplo de ostracização. Segundo, porque, apesar disso,
questiono, como pode alguém querer respeitar e participar em umas tradições académicas,
mas recusar participar noutras.
Concluindo. Assumo que aceito a Praxe como algo que
faz parte da vida académica. Assumo que vejo na praxe, uma tradição que tem
como fim a integração dos caloiros na Academia e que deve preceder a participação
nas demais tradições. Assumo que não vejo necessidade na extinção da Praxe. Assumo,
ainda assim, que há muito para fazer no estabelecimento de regras e na sua
implementação, para que actos ilícitos que não são, nem devem ser vistos, como
parte integrante da praxe, se repitam.
Carlos Bianchi
Em 31 de Janeiro de 2014, acrescento á mensagem os seguinte: A mensagem que antecede é apenas a minha posição pessoal. A todas outras opiniões, contrárias e/ou de apoio, só posso respeitar. Isto porque nada é mais verdadeiro, para quem vive em Democracia, do que as palavras de Voltaire"posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las".