Nas palavras da Sr.ª
Deputada do PSD, Dr.ª Teresa Leal Coelho, o actual governo procedeu à «Maior
reforma da organização judicial dos últimos 200 anos, em Portugal, criando um
novo paradigma que trouxe eficiência e proximidade da Justiça, para com os cidadãos»,
ao criar o actual sistema de organização judiciaria.
Presunção e água
benta, cada um toma a que quer, dizemos diariamente, mas a verdade é que a
falta de memória histórica, costuma dar lugar à arrogância e ao auto elogio,
que inquinam a seriedade dos discursos.
Em primeiro lugar, a
organização judiciaria que existia antes de 01/09/2014, foi criada em 16 de
Maio de 1832, por José Xavier Mouzinho da Silveira. Mesmo não sendo matemático,
a reforma judiciária de Mouzinho da Silveira aconteceu há só 182 anos.
Em segundo lugar, há
que dizer que Mouzinho da Silveira produziu uma verdadeira reforma na
organização judiciária. Afinal, o diploma legislativo que procede à reforma
consignava a divisão judicial do território, (criando as comarcas, afectando
juízes de direito às mesmas e regulamentando os tribunais de recurso), a
organização do pessoal (a nomeação e atribuições dos empregados de justiça e
dos jurados) bem como determinava as matérias do domínio do processo civil e do
processo penal. A actual reforma de organização judiciaria mantem a existência
de comarcas, faz a afectação de magistrados e pessoal e regulamenta a
organização do pessoal ligado à justiça. Isto é, neste aspecto e pelo menos
formalmente nada inova.
Em terceiro lugar, a
reforma de 1832 segue a nova divisão administrativa, também criada por Mouzinho
da Silveira, instituindo como território das comarcas, dos municípios então
criados, aproximando munícipes e tribunais de primeira instancia. A actual
reforma de organização judiciária mantem a existência de comarcas. No entanto,
as referidas novas comarcas correspondem agora aos extintos distritos, com
excepção de Lisboa (com 3 comarcas novas), do Porto (com duas comarcas novas) e
dos Açores e Madeira (cujo território corresponde ao das Regiões Autonomas). Ou
seja, as novas comarcas ficam agora mais longe, dos cidadãos.
Em quarto lugar, com a
reforma de 1832, o governo de então tentava colocar em cada comarca/município,
pelo menos um juiz. A actual reforma tenta centralizar os juízes nas instâncias
centrais da comarca e esvaziar as demais das suas competências.
Dito isto, concluo
dizendo que um qualquer aluno do 11º ano, ao reflectir sobre as reformas
liberais do seculo XIX, poderia sempre dizer que a actual reforma da
organização judiciária, não é, nem pode ser classificada como a maior dos
últimos 200 anos.
Ainda mais quando a
referida reforma é inquinada por incompetência e se traduz, na prática, num
retrocesso na Justiça e num ataque a quem menos tem. Mas isso é matéria para
uma nova crónica de opinião que, brevemente será publicada e publicitada.
Carlos Bianchi
Advogado
Publicado em
https://entre-o-montemuro-e-o-paiva.blogspot.com