quarta-feira, 4 de março de 2020

Precisamos mesmo de uma Quarta República?


Vivemos tempos de sobressalto da Democracia Portuguesa. Tempos de desassossego que tem variadíssimos culpados, entre os quais nós mesmos, os cidadãos anónimos.

Há uma cultura de facilitismo da qual não escapamos e que abre caminho a outras coisas. Não é normal olhar para o outro lado à espera de ser reconhecido por quem, nesse momento, é beneficiado? É! E tanto é, que um dos ditados populares mais conhecidos é o de “ uma mão lava a outra e as duas lavam a cara”!

Ora, esta forma de ser portuguesa (embora seja, na realidade universal) abre caminho a outras entorses éticas, estas muito mais graves.

Assim de repente, lembro-me de um comentador desportivo que dizia que, em Portugal, nada se faz sem pedir favores e refeições. Dizia ele que, em qualquer repartição ou serviço do país, se queremos resolver um assunto ou problema temos de ir almoçar com o funcionário e pagar. Só pode ser comédia, mas disse aquilo sem rir, o que nos deve preocupar. É normal acharmos que um assunto ou problema não se faz sem que haja recebimento indevido de vantagem? Sem que do outro lado está alguém pronto a receber “luvas” por fazer o seu trabalho?

Outro exemplo deste cadinho decorre das promessas eleitorais e de alguns comportamentos muito pouco éticos. Diz o povo que acha normal que alguém, com poder, favoreça a sua família. Afinal “se não vai ajudar a sua família, em primeiro lugar, quem é que vai ajudar”. Se o poder decorre de um assunto individual e particular, nada contra – afinal quem é que impede outrem de empregar um filho na sua empresa sendo ele quem lhe paga? O problema surge quando o dinheiro é de todos nós e o conceito de família se alarga demasiado. Será normal darmos um lugar de nomeação politica ao nosso filho ou por causa do cartão de militante? Será normal empregarmos um familiar na instituição a que presidimos? Será que não é demasiado obvio que ao fazê-lo estamos a usar dinheiro que não é nosso para favorecer-nos (ainda que indirectamente)? Não cheira isto a nepotismo ou favorecimento pessoal.

Foi esta normalização do comportamento anti ético que abriu caminho à onda de escândalos que vivemos, na nossa Democracia. Foi esta normalização da corrupção ética da República que gerou o sentimento de impunidade com que os corruptores e corrompidos vivem. Foi esta normalização de comportamentos reprováveis que abriu caminho aos BES e aos Tancos deste País. Mas foi também esta normalização da corrupção que abriu caminho aos populistas da nova república.

O povo, que acha os desvios éticos são normais, é o mesmo que está farto de ver sempre os mesmos a ser favorecidos. Daí que esteja mais susceptível a cair no canto de sereia. É o mesmo povo que ouve alguém dizer “eu vou dar o exemplo e estarei na Assembleia da República em exclusividade” e gosta. É o mesmo povo que vê a mesma pessoa, depois de eleita, dizer “isso estava no programa, mas eu sempre fui contra” e acha normal, porque ele diz aquilo que o povo gosta. Mesmo que seja irracional! Mesmo que revele um outro comportamento anti ético – tomar posse jurando defender uma constituição para a qual se está marimbando! Mesmo que proponha algo que, não só não é eticamente aceitável, mas que também abre caminho a que o que hoje é crime, amanhã não o seja.

Não! Não precisamos de uma quarta república! Como diz o povo “mal por mal, deixa ficar”!