Vivemos tempos de sobressalto da Democracia Portuguesa.
Tempos de desassossego que tem variadíssimos culpados, entre os quais nós
mesmos, os cidadãos anónimos.
Há uma cultura de facilitismo da qual não escapamos e que
abre caminho a outras coisas. Não é normal olhar para o outro lado à espera de
ser reconhecido por quem, nesse momento, é beneficiado? É! E tanto é, que um
dos ditados populares mais conhecidos é o de “ uma mão lava a outra e as duas
lavam a cara”!
Ora, esta forma de ser portuguesa (embora seja, na realidade
universal) abre caminho a outras entorses éticas, estas muito mais graves.
Assim de repente, lembro-me de um comentador desportivo que
dizia que, em Portugal, nada se faz sem pedir favores e refeições. Dizia ele
que, em qualquer repartição ou serviço do país, se queremos resolver um assunto
ou problema temos de ir almoçar com o funcionário e pagar. Só pode ser comédia,
mas disse aquilo sem rir, o que nos deve preocupar. É normal acharmos que um
assunto ou problema não se faz sem que haja recebimento indevido de vantagem?
Sem que do outro lado está alguém pronto a receber “luvas” por fazer o
seu trabalho?
Outro exemplo deste cadinho decorre das promessas eleitorais
e de alguns comportamentos muito pouco éticos. Diz o povo que acha normal que
alguém, com poder, favoreça a sua família. Afinal “se não vai ajudar a sua
família, em primeiro lugar, quem é que vai ajudar”. Se o poder decorre de um
assunto individual e particular, nada contra – afinal quem é que impede outrem
de empregar um filho na sua empresa sendo ele quem lhe paga? O problema surge
quando o dinheiro é de todos nós e o conceito de família se alarga demasiado.
Será normal darmos um lugar de nomeação politica ao nosso filho ou por causa do
cartão de militante? Será normal empregarmos um familiar na instituição a que
presidimos? Será que não é demasiado obvio que ao fazê-lo estamos a usar
dinheiro que não é nosso para favorecer-nos (ainda que indirectamente)? Não
cheira isto a nepotismo ou favorecimento pessoal.
Foi esta normalização do comportamento anti ético que abriu
caminho à onda de escândalos que vivemos, na nossa Democracia. Foi esta
normalização da corrupção ética da República que gerou o sentimento de
impunidade com que os corruptores e corrompidos vivem. Foi esta normalização de
comportamentos reprováveis que abriu caminho aos BES e aos Tancos deste País. Mas
foi também esta normalização da corrupção que abriu caminho aos populistas da
nova república.
O povo, que acha os desvios éticos são normais, é o mesmo
que está farto de ver sempre os mesmos a ser favorecidos. Daí que esteja mais
susceptível a cair no canto de sereia. É o mesmo povo que ouve alguém dizer “eu
vou dar o exemplo e estarei na Assembleia da República em exclusividade” e
gosta. É o mesmo povo que vê a mesma pessoa, depois de eleita, dizer “isso
estava no programa, mas eu sempre fui contra” e acha normal, porque ele diz
aquilo que o povo gosta. Mesmo que seja irracional! Mesmo que revele um outro
comportamento anti ético – tomar posse jurando defender uma constituição para a
qual se está marimbando! Mesmo que proponha algo que, não só não é eticamente
aceitável, mas que também abre caminho a que o que hoje é crime, amanhã não o
seja.
Não! Não precisamos de uma quarta república! Como diz o povo
“mal por mal, deixa ficar”!