Citando Juvenal, na sua obra "Sátiras", o que vamos vendo é «pão e circo», à nossa volta. Esta forma de fazer política
é já clássica e percorre a Europa e o mundo, há mais de dois mil anos. Claro que,
tal como a sociedade foi evoluindo, ainda que mantenha, na sua essência, a intenção
de iludir os cidadãos em relação aos seus reais problemas. A mais recente demonstração
de tal política chega-nos da Grécia, com o referendo de 05 de Julho de 2015.
Os mais encarniçados vão, já,
dizer: «eis mais um exemplo de inaceitável chantagem sobre uma nação soberana e
mais um exemplo de indecoroso desprezo pela democracia». Nada mais errado!
Os referendos devem ser um
mecanismo de controlo e reforço das legitimidades que resultam de eleições,
livres e democráticas. No caso Grego, estando o partido, vencedor de eleições,
com um programa que apostava em reestruturação de uma divida e na diminuição das
medidas de austeridade, deparado com a inevitabilidade de ter de aumentar a
austeridade e não conseguir pagar as suas obrigações, faz sentido que pergunte
ao povo o que este pretende fazer. É até uma consequência da ética democrata – sempre
que existe um ponto que não foi sufragado deve saber-se qual a intenção do cidadão
e agir em conformidade. É desses referendos que necessitamos todos, para evitar
os fenómenos de desinteresse pela vida política, que vemos nos nossos concelhos
e países. É dessa democracia directa que não podemos temer, porque dela resulta
um reforço da união entre povos, da solidariedade entre nações e um regresso
aos valores que estiveram presentes na fundação da União Europeia.
Coisa diferente foi o que se passou no passado domingo, dia 05 de
Dezembro de 2015. O que o SYIZA fez ludibriar o povo grego,
instrumentalizando-o para, com isso, colocar os credores na situação de não receber
o que emprestou à Grécia. A pergunta colocada ("Deve ser aceite o plano do acordo que foi submetido
pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário
Internacional no Euro Grupo de 25.06.2015 e que compreende duas partes, que
constituem a sua proposta unificada? O primeiro documento é intitulado
"Reforms For The Completion Of The Current Program And Beyond" e o
segundo "Preliminary Debt Sustainability Analysis")
era, o mínimo, incompreensível! Os documentos dos credores não foram explicados
aos cidadãos! As propostas dos credores não foram sequer referidas, na campanha
que antecedeu o referendo! A consulta ao povo é feita, já depois, de
ultrapassados os prazos do acordo anterior com os credores! De uma forma
simplista, os partidos que apoiavam o NÃO, limitaram-se a fazê-lo corresponder
à recusa da austeridade! Salvo o devido respeito, isto não é uma forma séria de
fazer democracia.
O que aconteceu, no dia 05 de Julho de 2015, foi um plebiscito. Ora, os
plebiscitos, como todos recordarão, sob a aparência de consultas democráticas, são
instrumentos próprios das ditaduras, sejam elas, de direita ou de esquerda. Aliás,
só assim se explica que Marine Le Pen tenha podido vir a público dar os parabéns
aos gregos, por terem sido um exemplo da democracia que ela despreza. Tal como
só assim se compreende que haja muitos comentadores a fazer a leitura de que o
SYRIZA viu a sua votação aumentar para quase o dobro. O resultado é, ao contrário
que muitos dizem, uma diminuição da democracia e um efectivo prejuízo para os cidadãos.
Concluindo:
Nos últimos dias, a democracia, apesar do que muito se afirma em contrário,
saiu prejudicada, porque um seu importante instrumento (o referendo) foi usada
de forma errada e pouco séria.
Nos últimos dias, os gregos, de uma forma inconsciente e por terem sido instrumentalizados
para isso, acabaram por agravar a sua posição perante o Euro e a União
Europeia.
Nos últimos dias, um governo que se diz revolucionário, europeísta e de
esquerda, o que mais conseguiu foi fazer aliados, naqueles que querem ver
implodido o projecto europeu.
Apesar de tudo isto, se utilizado de forma séria e responsável, um
referendo não pode, nem deve fazer temer os democratas, pois a consulta do povo
apenas pode ser visto como uma das mais nobres e éticas formas de fazer
Democracia.
Permitam que se deixe aqui uma outra imagem capaz de demonstrar a nossa opinião.
Ao nível local, os partidos apresentam (muitas vezes fingem apresentar) um
programa de governo das nossas autarquias. Nesse programa referem (muitas vezes
deveriam porque não o fazem) as obras que pretendem realizar. Quase sempre,
depois de eleitos, os partidos deparam-se com obras projectadas, com
financiamento quase assegurado e em fase quase final, que não referiram no seu
programa eleitoral. Muitas vezes essas obras são de duvidosa utilidade, representam
um encargo para a autarquia e retiram-lhe a capacidade financeira para
assegurar outras despesas, mais uteis e mais prementes. Porque não referendar a
execução de tais obras? Porque não consultar os cidadãos para conferir aos
executivos municipais, a legitimidade que não têm, por tal assunto não ter sido
discutido e sufragado?
Carlos Bianchi