sexta-feira, 10 de julho de 2015

Pão e Circo

Citando Juvenal, na sua obra "Sátiras", o que vamos vendo é «pão e circo», à nossa volta. Esta forma de fazer política é já clássica e percorre a Europa e o mundo, há mais de dois mil anos. Claro que, tal como a sociedade foi evoluindo, ainda que mantenha, na sua essência, a intenção de iludir os cidadãos em relação aos seus reais problemas. A mais recente demonstração de tal política chega-nos da Grécia, com o referendo de 05 de Julho de 2015.
Os mais encarniçados vão, já, dizer: «eis mais um exemplo de inaceitável chantagem sobre uma nação soberana e mais um exemplo de indecoroso desprezo pela democracia». Nada mais errado!
Os referendos devem ser um mecanismo de controlo e reforço das legitimidades que resultam de eleições, livres e democráticas. No caso Grego, estando o partido, vencedor de eleições, com um programa que apostava em reestruturação de uma divida e na diminuição das medidas de austeridade, deparado com a inevitabilidade de ter de aumentar a austeridade e não conseguir pagar as suas obrigações, faz sentido que pergunte ao povo o que este pretende fazer. É até uma consequência da ética democrata – sempre que existe um ponto que não foi sufragado deve saber-se qual a intenção do cidadão e agir em conformidade. É desses referendos que necessitamos todos, para evitar os fenómenos de desinteresse pela vida política, que vemos nos nossos concelhos e países. É dessa democracia directa que não podemos temer, porque dela resulta um reforço da união entre povos, da solidariedade entre nações e um regresso aos valores que estiveram presentes na fundação da União Europeia.
Coisa diferente foi o que se passou no passado domingo, dia 05 de Dezembro de 2015. O que o SYIZA fez ludibriar o povo grego, instrumentalizando-o para, com isso, colocar os credores na situação de não receber o que emprestou à Grécia. A pergunta colocada ("Deve ser aceite o plano do acordo que foi submetido pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional no Euro Grupo de 25.06.2015 e que compreende duas partes, que constituem a sua proposta unificada? O primeiro documento é intitulado "Reforms For The Completion Of The Current Program And Beyond" e o segundo "Preliminary Debt Sustainability Analysis") era, o mínimo, incompreensível! Os documentos dos credores não foram explicados aos cidadãos! As propostas dos credores não foram sequer referidas, na campanha que antecedeu o referendo! A consulta ao povo é feita, já depois, de ultrapassados os prazos do acordo anterior com os credores! De uma forma simplista, os partidos que apoiavam o NÃO, limitaram-se a fazê-lo corresponder à recusa da austeridade! Salvo o devido respeito, isto não é uma forma séria de fazer democracia.
O que aconteceu, no dia 05 de Julho de 2015, foi um plebiscito. Ora, os plebiscitos, como todos recordarão, sob a aparência de consultas democráticas, são instrumentos próprios das ditaduras, sejam elas, de direita ou de esquerda. Aliás, só assim se explica que Marine Le Pen tenha podido vir a público dar os parabéns aos gregos, por terem sido um exemplo da democracia que ela despreza. Tal como só assim se compreende que haja muitos comentadores a fazer a leitura de que o SYRIZA viu a sua votação aumentar para quase o dobro. O resultado é, ao contrário que muitos dizem, uma diminuição da democracia e um efectivo prejuízo para os cidadãos.
Concluindo:
Nos últimos dias, a democracia, apesar do que muito se afirma em contrário, saiu prejudicada, porque um seu importante instrumento (o referendo) foi usada de forma errada e pouco séria.
Nos últimos dias, os gregos, de uma forma inconsciente e por terem sido instrumentalizados para isso, acabaram por agravar a sua posição perante o Euro e a União Europeia.
Nos últimos dias, um governo que se diz revolucionário, europeísta e de esquerda, o que mais conseguiu foi fazer aliados, naqueles que querem ver implodido o projecto europeu.
Apesar de tudo isto, se utilizado de forma séria e responsável, um referendo não pode, nem deve fazer temer os democratas, pois a consulta do povo apenas pode ser visto como uma das mais nobres e éticas formas de fazer Democracia.
Permitam que se deixe aqui uma outra imagem capaz de demonstrar a nossa opinião. Ao nível local, os partidos apresentam (muitas vezes fingem apresentar) um programa de governo das nossas autarquias. Nesse programa referem (muitas vezes deveriam porque não o fazem) as obras que pretendem realizar. Quase sempre, depois de eleitos, os partidos deparam-se com obras projectadas, com financiamento quase assegurado e em fase quase final, que não referiram no seu programa eleitoral. Muitas vezes essas obras são de duvidosa utilidade, representam um encargo para a autarquia e retiram-lhe a capacidade financeira para assegurar outras despesas, mais uteis e mais prementes. Porque não referendar a execução de tais obras? Porque não consultar os cidadãos para conferir aos executivos municipais, a legitimidade que não têm, por tal assunto não ter sido discutido e sufragado?

Carlos Bianchi