Comecemos pelo
que, parecendo óbvio, há muito anda esquecido, pelas terras lusas. Ninguém é
culpado, apenas, por aparências. Ninguém deve ser considerado culpado, sem que
tenha sido julgado. Posição, demagogicamente, declarada, como, politicamente, correcta,
a minha. Sê-lo-á! Mas, às malvas, as opiniões dos paladinos da justiça popular.
O arguido ganha,
no direito português, essa condição, quando, contra ele, corra um processo, em
que se verifique a existência de indícios
sérios que fundamentem uma suspeita
de que praticou um crime.
Repare-se que
a lei fala em meros indícios , ainda que depois exija que sejam sérios. Todos os supostos paladinos da
Justiça, sustentam o seu discurso, na expressão sérios. Com isso, pretendem dizer que, se não houvesse essa exigência
– a da seriedade –, nunca viriam a terreiro, defender a crucificação pública de
quem é arguido (muitas vezes, com a hipocrisia de quem diz “alegadamente”, “alegado”
e batendo no peito, dizendo que observam a “presunção da inocência”).
Do que se
esquecem é o que significa a palavra “indício”
e confundem-na com a palavra “prova”. Ora, o indício é o «sinal definido
pela relação de proximidade com aquilo que significa», ao passo que
a prova «é aquilo que mostra ou confirma a verdade de um
facto». Parecem coisa semelhante. Por vezes, é possível que um indício
se torne prova. Mas na realidade, quer material, quer jurídica, não o é..
O indício,
por muito sério que seja, apenas, é uma aparência de realidade. Dizendo de
outro modo, se, num dado espaço, encontramos uma pegada de um sapato de homem, da
medida 44, próxima do lugar onde se encontra um cadáver e temos um suspeito que
calça o 44, aparentemente, este pode ser o autor do crime.
Mas será
esse indicio, forte o suficiente, para servir de fundamento à nossa convicção de
que aquele suspeito, cometeu aquele crime? Se partimos do principio de que quem
investiga, no decorrer do seu trabalho, afastou todas as outras hipóteses, também
elas lógicas, sim.
Mas e se
verificarmos que o investigador não afastou essas outras hipóteses? Claro que o
indicio existe, mas não prova que quem cometeu o crime foi aquele suspeito em
concreto. Pode gerar a suspeita, mas, em boa-fé, não é conclusivo.
O que faz
então a investigação, nestes tempos mediáticos? Fácil. Viola o segredo de
justiça, remete para a comunicação social a notícia de que o suspeito é fulano,
diz que tem indícios suficientes (quase sempre sem indicar quais são ou quando
o faz, fá-lo, truncadamente) e depois espera.
Espera a
voragem dos acontecimentos, espera que o juízo da opinião pública gere a pressão
sobre quem decide e então, procede como, na Roma Antiga. Lança os suspeitos aos
leões e fá-lo perante um público, humano e imperfeito, isto é, sedento de
sangue e de violência.
O possível
passa a verdadeiro. As imperfeiçoes da investigação são olvidadas e tudo o
resto passa a inverosímil, por não caber no preconceito. Assim se faz do arguido, a quem vários
direitos são atribuídos, na sua defesa, um indesculpável criminoso. De presumível
inocente passa a, certamente, culpado. E nós aplaudimos acriticamente!
Carlos Bianchi
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